O telefone toca às cinco horas da manhã. O som do despertador, por mais irritante, ressoa confortavelmente. "Nossa, como eu poderia dormir mais um pouco!" penso. No entanto, ao pegar o celular, a primeira coisa que vejo, após uma notificação de um bot me seguindo no Instagram, é um vídeo de corte de um podcast falando sobre empreendedorismo. Minha mente, tomada pela culpa de não estar sendo produtiva, desperta rapidamente e começo a estudar os materiais do meu curso. Após horas de estudo, começo a sentir tédio e, subitamente, pego meu Kindle e começo a ler capítulos de diversos livros. Sinto tédio novamente e vou cozinhar algo, faço uma panqueca de banana, sinto tédio e fujo para fazer algo mais.
Após anos desse mesmo comportamento, me questionei na madrugada em que escrevi este texto: por que tenho tanta aversão ao tédio?
Antes que você fique pensando algo como: "Por que você deixou o último texto sem conclusão?" Não se preocupe, você pode ver tanto este quanto os outros textos como uma "parte dois, três ou até quatro". Não tenho e nem tive compromisso com conclusões, por mais que isso seja uma compulsão minha. No entanto, vou deixar o trabalho de concluir a você, para que comece a exercitar um pouco seu pensamento crítico. Contudo, caso você goste dos meus textos e queira me apoiar, inscreva-se no meu blog. Você receberá textos exclusivos e poderá ler tudo na íntegra e antes de todos.
Tédio ou Medo?
Durante toda a minha vida, sempre vi o tédio de forma negativa, como se fosse a morte lenta de um cérebro que quer ser saciado por algo. Via o tédio como um carro ou uma moto ligada na marcha neutra, esperando engatar a primeira marcha e seguir rumo a algum destino. Todavia, se você leu o texto anterior, percebeu que tive um tipo de "epifania".
Na busca incessante por produtividade, muitos de nós sacrificamos tempo, energia e até mesmo nossa saúde mental. A sociedade nos ensina que ser produtivo é sinônimo de ser valioso. No entanto, essa mentalidade pode nos levar a um ciclo vicioso onde o tédio é visto como um inimigo a ser evitado a todo custo — situação na qual me encontro.
Mas somente uma questão foi capaz de quebrar esse ciclo, mesmo que por pouco tempo: por que estou tentando apressar algo que obviamente é um processo lento? Claro, existem outras perguntas, como "Desde quando fazer mais significa ser mais produtivo?" ou "Por que eu valido tanto o que produzo e não o que sou?"
A Desconexão com a Realidade
Junto a tantas perguntas, defini meu sentimento relacionado ao tédio como uma desconexão da minha realidade. Por não conseguir me pertencer ao momento, ao "mundo real", sinto-me deslocado e disperso. O filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard descreveu o tédio como uma "enfermidade da alma", uma condição que revela a falta de significado em nossas vidas.
A ocupação constante não é necessariamente sinônimo de vida significativa. Muitas vezes, nos ocupamos para evitar enfrentar questões existenciais mais profundas. Preenchemos nosso tempo com tarefas e atividades, acreditando que estamos evitando o tédio, mas na verdade, estamos apenas mascarando algo.
O Medo do Vazio
No meu caso, o sentimento de deslocamento. E você? Falta de propósito? Você só tem a produção como forma de validar sua existência? A filósofa Hannah Arendt fez uma distinção crucial entre "trabalho", "obra" e "ação". O trabalho, segundo Arendt, está relacionado à produção e consumo, enquanto a obra se refere à criação de algo duradouro e a ação envolve interação humana e construção de um mundo comum. Quando focamos apenas no trabalho e na produtividade, negligenciamos a obra e a ação, aspectos que conferem sentido e durabilidade à nossa existência.
A Redescoberta do Sentido
Enquanto o tédio pode parecer pior do que a morte, ele também pode ser um sinal de que precisamos reavaliar nossas vidas. A ocupação constante e a busca incessante por produtividade podem nos levar a uma existência superficial e insatisfatória. Em vez de ver o tédio como um inimigo, podemos usá-lo como uma oportunidade para refletir e encontrar um equilíbrio saudável entre trabalho e lazer. Afinal, uma vida significativa não é medida apenas pela produtividade, mas pela profundidade de nossas experiências e a qualidade de nossos relacionamentos.
Conclusão
Ao longo dos anos, percebi que a aversão ao tédio é, na verdade, um medo profundo do vazio existencial. Encher nossos dias com atividades incessantes não resolve o problema fundamental de uma vida sem propósito. É preciso enfrentar o tédio de frente, utilizá-lo como um momento de reflexão e, talvez, descobrir que a verdadeira produtividade não está em fazer mais, mas em viver melhor.
Em suma, a vida não pode girar apenas em torno do trabalho ou do dinheiro. É preciso encontrar um propósito mais profundo, que dê sentido e significado à nossa existência, e aprender a abraçar o tédio como parte desse processo.